“Liberdade de voar num horizonte qualquer, liberdade de pousar onde o coração quiser.”

Não é nenhum exagero dizer que minha vida pode ser dividida entre duas eras: antes e depois dos 30 anos. Não que eu renegue minha história, ela é responsável por quem sou hoje. Mas muitas vezes não me reconheço naquela mulher de alguns anos atrás. Pode até ser coincidência a fotografia ter entrado em minha vida justamente neste período de transcedência. Mas posso afirmar que ser fotógrafa me salvou! Me salvou de dúvidas, incertezas, de um emprego infeliz, de uma vida pacata de mãe-donadecasa-esposa. Me salvou de andar com a massa de manobra, de estar sempre buscando algo com a angústia de não saber exatamente o quê.

Foi exatamente nessa fase balzaquiana que descobri o prazer de fotografar, e percebi que eu retratava o que havia em mim. Com isso, fui me conhecendo mais, me (re)descobrindo, passei a olhar mais para dentro de mim mesma, e esse processo de amadurecimento tem um nome: empoderamento.

Empoderar. Tomar o poder para si. Se encorajar. Arcar com o ônus e bônus de suas escolhas, sem culpar ninguém por isso. Aceitar que a cada escolha, há uma renúncia. E que grande parte das vezes em que as coisas saem como não planejado, podem ser ainda melhores do que como foi sonhado. Como disse Paulo Freire, “empoderar é aumentar a capacidade de pensar criticamente e agir autonomamente”. E é isso que busco todos os dias.

A fotografia me deu essa liberdade. E ser livre, para mim é o maior bem que um ser humano pode conquistar em toda sua existência. E hoje, alguns anos depois, me sinto cada mais confiante em ser eu mesma, com todos os meus (muitos) defeitos e reconhecendo minhas qualidades. Com o tempo, aprendi que posso ser quem eu quiser, sem rótulos, sem me preocupar com a opinião alheia, que remar contra a maré pode ser difícil mas não exatamente um fardo. E a cada ano, a necessidade de viver em minha própria companhia foi aumentando. Fui criando uma bolha imaginária e vivendo dentro dela, para aí sim depois ter a confiança de abrir para o mundo.

Em minha “era” anterior, eu andava em bando. Me sentia insegura, desprotegida sozinha. Talvez reflexo de minha educação machista e conservadora, como grande maioria das mulheres vivem mesmo sem saber, nessa sociedade patriarcal e opressora. Eu nunca havia ido a um restaurante ou cinema sozinha, por exemplo. Na nova “era”, a fotografia me fez enxergar além, mesmo sem precisar ir muito longe, bastando olhar para dentro de mim. Hoje, estar sozinha me traz uma sensação de felicidade indescritível! Fui alçando vôos cada vez mais altos e a cereja do bolo, foi uma viagem internacional que fiz recentemente, durante 10 dias em junho.

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Reprodução Instagram: @marihartfotografia

Detalhes não vem ao caso no momento, mas o fato é que eu tinha uma passagem marcada para São Francisco- Califórnia para um projeto que acabou não dando certo, pelas surpresas (nem sempre boas) que a vida nos prega. Mas para mim RESILIÊNCIA é uma palavra de ordem para ser feliz. Ficar de ‘mimimi’ se lamentando, remoendo mágoas passadas não faz meu tipo. E então, decidi encarar uma aventura, não tão bem planejada, mas que deu mais certo do que eu poderia imaginar nem nos meus sonhos mais otimistas!

No dia 09 de junho de 2015 peguei um avião para uma das cidades mais lindas do mundo, sem saber o que fazer onde ficar, nem mesmo hotel eu havia reservado! Tentei resguardar meus planos o máximo possível, pois a cada pessoa que eu comentava sobre a idéia, no mínimo me chamavam de louca! E se isso é loucura, sejamos todos então! Desembarquei em São Francisco em um dia nublado, com mochila de equipamento nas costas e uma pequena mala de mão de algumas poucas mudas de roupa. Através da vidraça, olhei para um lado, para o outro, e pensei: “E agora!? Para onde vou!? Faço uni-du-ni-tê!? Na pior das hipóteses, eu passaria a noite no aeroporto mesmo. Na verdade, eu estava pouco me importando com isso.

Eu queria ter a sensação de não ter que olhar o relógio, checar e-mails, me preocupar com o que comer, ou com compromissos a cumprir. Eu queria arriscar, viver, sentir! Em busca de renovar minhas inspirações, meu olhar, meus sentimentos. Ressalto um ponto muito importante (tá, sei que vcs me chamarão de louca mais ainda! rs), meu inglês é o mais básico possível! Mais um desafio! Mas eu estava disposta e feliz em enfrentá-lo. Com um mapa em mãos, peguei uma van no aeroporto, sugestão de um senhor bem simpático no balcão de informações, e parti para o Centro. Já era final de tarde, uma chuva fina começava a cair, eu precisava ao menos encontrar um abrigo. Mesmo depois de quase 15hrs de viagem com conexão em algum tempo de espera no México, fui bater perna pelas ruas do Centro de São Francisco, tocando de porta em porta de ‘hostels”, até encontrar um porto seguro.

Primeira resposta negativa: não temos vagas. Mais outra. E outra. Inevitável pensar: “Phodeuô, fui longe demais! O que é que tô  fazendo aqui minha deusa!?” Mas como sou brasileira e não desisto nunca, com a ajuda de alguns aplicativos em meu iPhone (Salve Steve Jobs! I love you!) encontrei um hostel bem bonitinho. E o melhor, com quarto particular (muitos só oferecem alojamento conjunto) , chuveiro quente e uma cama king size só pra mim! Definitivamente eu preciso de muito pouco para ser feliz! E me orgulho disso. Uma câmera, um corpo saudável para correr atrás e pronto. Resumo da minha felicidade.

Rapidamente desenrolei com um haitiano, administrador do hostel, deixei minhas coisas, troquei de roupa e parti para a rua. O que eu mais queria sentir era aquela tal liberdade que tanto falei durante todo este post, e coisa que mais prezo na vida (deu pra perceber, né?!). Vento no rosto, sorriso de ponta a ponta a ponta e acho que a alegria interna reflete diretamente no exterior. Cer-te-za que as pessoas em volta, dezenas de desconhecidos, percebiam. Que povo gentil, educado, solidário! Não tenho absolutamente nenhum ponto negativo para falar de todos os que passaram por mim em minha estadia. E lá fui eu, perdida no mundo, com minha câmera no pescoço, sem medo de ser feliz, dando ‘boa-noite!’ aos homeless, bêbados e quem quer mais que cruzasse meu caminho.

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Meia-noite. Me vi sozinha com meus pensamentos no meio da cidade, acompanhada somente de minha câmera e alguns poucos dólares no bolso. E o melhor, sem medo. Fotografava tudo o que me chamava atenção, percebi coisas que em um dia comum poderiam passar batidas. Já cansada, entrei e sentei em um restaurante onde fui muito bem atendida, sem ser assediada por ser mulher, sem ser vista como um bicho à caça (de macho) em  um final de semana à noite. Tomei minha cerveja com uma bela refeição e cataploft, voltei para o lugar que escolhi para passar a noite e caí na cama. Na verdade, desconfio que entrei em coma, tamanha exaustão, adrenalina e alívio em ter um cobertor quentinho para me aquecer. Acordei ao amanhecer do dia na mesma posição que eu havia deitado. Cama irretocável. É. Realmente eu precisava daquela noite de sono, com celular desligado, e todo aquele silêncio soando como música aos meus ouvidos.

Acordei com outro gás, muita energia, e para não perder tempo deixei de lado um café da manhã oferecido e fui tomando um ‘Starbucks’ caminhando pela rua mesmo. Ainda sem saber aonde ir, saí andando, sem destino. Até os sinos de uma praça de chamarem a atenção. Era uma igreja em frente a uma praça com um gramado gigante. Haviam velhinhos fofos papeando nos bancos. Eu recebia e doava sorrisos. Ora largos, ora tímidos. Ao lado deles, mais homeless (moradores de rua, vulgo, mendigos) também batendo papo e conversando entre si. Haviam famílias, crianças correndo, pais com bebês de colo, idosos se exercitando, e um lindo sol chegando. A paz estava ali, na minha frente. Fiquei observando. O exercício de somente olhar, sem interferir em nada, foi fundamental no meu processo de crescimento interior. Eu não sabia que horas eram, e não me preocupava com isso. Continuei seguindo meu coração. E fotografando. E respirando como eu há tempos não fazia. Na verdade, acho que eu já até havia esquecido como era respirar de verdade. Reaprendi. E enquanto caminhava, ainda em destino, fui praticando este exercício. Inspira. Expira. Por um momento parecia até que dava uma “onda”. Mas era só felicidade!

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De repente vi aqueles transportes de 2 andares, próprios para turistas e desejei estar nele. Parei um ônibus qualquer para pedir informação em como chegar ao ponto de partida, e o motorista gentilmente me convidou a subir pois me levaria lá. Mas uma vez sem ser assediada, ou me sentindo julgada pelo tamanho do meu short, que diga-se de passagem, me deixava muito confortável, sem me sentir um afronta a sociedade. Conversa cordial e respeitosa. Eu me sentia bem, me sentia segura. E isso foi essencial para que tudo continuasse transcorrendo bem.

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Gosto de conhecer o diferente, novas culturas, e continuei a observar. Pessoas, famílias, turistas, moradores locais, estilo de vida… E fiz uma constatação. Seja onde eu estiver no mundo, eu atraio pessoas que gostam de contar causos, desabafos. Não me perguntem porquê, eu realmente não sei, já que não sou muito adepta a esse tipo de abordagem. Mas bati altos papos com o vendedor de floricultura, um senhorzinho chinês. Com o caixa da farmácia, que logo me perguntou se sou brasileira, pois ele dizia saber “ler os brasileiros”. Com o segurança da Disney Store, onde entrei por curiosidade para fazer uns clicks para meus filhos. Com uma velhinha fofa que se aproximou apenas para dizer: “You are so beautiful!” enquanto eu observava as frutas em uma banca de feira. Até mesmo um brasileiro morador da Califórnia há 10 anos desabafou sobre a saudade de seu país, sobre sua mãe doente, e claro- sobre o PT. Risos eternos!

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A cereja do bolo foi atravessar a Golden Gate em meio a densa neblina, literalmente, de cara! Cabelos ao vento, pq descabelar faz bem! Quase tendo uma hipotermia pela mudança brusca de temperatura, mas com uma alegria inabalável. Com um fone de ouvido conectado ao banco, eu ouvia do guia turístico toda a história da cidade, e ao mesmo tempo fazendo dezenas de clicks de toda aquela imensidão cultural a minha volta.

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Reprodução Instagram: @marihartfotografia
Reprodução Instagram: @marihartfotografia

Eu já conhecia São Francisco, em uma viagem feita ano passado. Mas de outra forma, em outro contexto, com outra visão. E isso me levou a escrever algumas considerações sobre esta cidade tão encantadora e fascinante!

– Quantas flores! Muitas! De diversos tipos, cores e texturas. Qta beleza natural!

– É a capital dos orgânicos. A oferta de frutas, legumes, verduras é gigantesca, por todos os cantos.

– É uma cidade mega populosa, com uma diversidade étnica muito grande. Referência de movimentos gays e hippies, porém, todos iguais.

– Não importa o clima. Faça chuva, faça sol, sempre haverão pessoas se exercitando. Seja surfando, correndo, pedalando, fazendo yoga a céu aberto. Confesso invejar a disposição dos locais!

– A noite é mega badalada! Ao contrário do RJ em que lugares fecham cedo e, dias de semana, em São Francisco me parece que a noite é uma criança. Mas esta não é minha praia, então, sorry, esta eu passo! Talvez em uma outra vida.

– O contraste das arquiteturas tb me chamaram bastante atenção. Uma mistura moderna com um estilo vitoriano, lado a lado em perfeita harmonia.

– Dá para sentir o cheiro de cultura no ar! Música, fotografia, cinema… em pleno domingo as bibliotecas públicas ficam lotadas de famílias com crianças!

– Ladeiras, Muitas ladeiras! Por todos os lados, o tempo todo!

– As pessoas não estão nem aí uma para as outras no sentido de reparar em roupa, cabelo, postura, comportamento, ou o que quer que seja. Cada um é o que é e ponto.

– O povo americano tem pencas de filhos! Invejinha mode on.

– Não posso deixar de citar a acessibilidade a cadeirantes e pessoas com dificuldades de locomoção. É muito comum ver idosos sozinhos nas ruas com seus andadores, bengalas, cadeiras elétricas, exercendo livremente seu genuíno direito de ir e vir.

Se eu pudesse definir em uma só palavra, eu diria: singular. 

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Em uma de minhas andanças encontrei uma feira de artes, e de longe o que me chamou atenção foi uma imagem que fala muito sobre mim. Fui até ela com os olhos brilhando! Quem vive no meio de partos e humanização, sabe bem o que ela representa. Acredito muito nos sinais ocultos que a vida nos dá, e precisamos estar atentos para percebê-los. E encontrar esta arte, foi muito significante para minha viagem, meu caminho, e minha história. Tanto que na volta ao Brasil, virou uma enorme tatuagem em minhas costas. A fórmula química da ocitocina! Entre outras tantas frases e dizeres maravilhosos, impressos em madeira rústica.

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Era tanta novidade, tanta coisa maravilhosa para absorver, que eu esquecia até mesmo de me alimentar! Acredito que eu estava me alimentado de amor, de vontade de viver, de fotografia, de alegria em estar solta no mundo. Há muito mais em São Francisco. Os bondinhos, Chinatown, O Emarcadero, Alcatraz, a famosa Lombard Street. Depois de mais uma noite de descobertas, uma bagagem que levarei para sempre dentro de mim que não caberia apenas em um post, estive em contato com uma amiga brasileira em Boston, e ela disse: “Mari, vem pra cá que tem um programa pra gente na sexta-feira!” Opa! Não falei que precisamos estar atentos aos sinais?! E lá fui eu na manhã seguinte, para o próximo destino: Massachusetts’! Mas enquanto o próximo post não vem, deixo mais algumas imagens desta cidade que conquistou meu coração!

“If you’re going to San Francisco

Be sure to wear some flowers in your hair

If you’re going to San Francisco

You’re gonna meet some gentle people there

For those who come to San Francisco

Summer time will be a love-in there

In the streets of San Francisco

Gentle people with flowers in their hair…”

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Moça, vc me representa! =)

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Selfie!

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17 thoughts on ““Liberdade de voar num horizonte qualquer, liberdade de pousar onde o coração quiser.”

  1. Luciene Asta

    Que fotos lindas Mari !!! fiquei imaginando a sensação de liberdade, sair à rua sem preocupação com a hora, compromissos, etc. Que delícia ! Estarei aqui viu? Acompanhando sempre seus posts e torcendo por sua nova jornada. Bjs daqui !

  2. Que delicia!!! Olha MAri,mudar pros EUA foi a melhor coisa que fiz! Essa sensação de liberdade não existe em SP!
    Qdo eu for à Miami, quero conhecer vc! rsrsrsrsr
    Bjos enormes em todos!
    PS: Vc trouxe seus gatos todos? Eu trouxe a Amy na cabine…heheh

  3. Priscila Santiago

    Mari, linda! Como me identifico com vc! Tbm sou fotógrafa e tenho dois filhos. A minha filha mais velha é portadora de paralisia cerebral. Sempre digo isso que vc falou no início do texto… A fotografia me salvou! Parabéns pelas conquistas, você é um exemplo a ser seguido! Sucesso e felicidade é o que te desejo.

  4. Ana Amélia Nunes

    Já li tantos desabafos seus ao longo desses anos (! Já?!) te acompanhando como blogueira, como mãe, como fotógrafa, que já me considero íntima! sorrio com as suas conquistas, entristeço-me com as suas dores. Engraçado como essas coisas acontecem, não? te “descobri” através de uma foto de uma conhecida veterinária aqui de salvador, amiga sua. Me apaixonei pelos seus filhos. Me apaixonei pela sua escrita. Pela sua história. E abri meus olhos e meu mundo a respeito da maternagem e paternagem conscientes, humaniazação, partos, paralisia cerebral, uau! vc me acrescentou TANTO que só posso ser grata. Eis que estou num momento de transição da vida – fechamento de um ciclo profissional, que me trouxe coisas boas, sim, mas ainda falta AQUELE frio na barriga, aquela paixão…- e com uma viagem agendada para daqui a um mês que, se antes me causaria frisson, nos últimos tempos vinha me dando medo. Medo do desconhecido, medo de outra língua, medo de um lado meu que desconheço, medo de um lado da minha família que desconheço, medo de deixar “pra trás” por um certo tempo, quem eu amo… e vc cai na minha tela, mais uma vez, depois de tanto tempo. Eis que mais uma vez eu me sinto extremamente grata e, dessa vez, decidi compartilhar isso contigo e agradecer, de fato. Tipo… HEY! É isso o que preciso! pegar minha câmera (sim, uma paixão guardadinha e pouco usada) e sair pelas ruas da europa, sem medo de arrastarem a minha aquisição tão cara (rsrs), meu xodó, fotografando o que vier aos olhos, respirando, desapegando, crescendo, sair sem rumo, caminhar sem pressa, absorver, sorver, ser. Você, mais uma vez, me inspirou. me deu um balde de coragem, fez as borboletas pela viagem crescerem no meu estômago. Quem sabe não sai um blog desses momentos por lá? afinal, escrever é outra paixão que deixo guardadinha. Quem sabe não surgem outros rumos profissionais por lá? Pessoais? Quem sabe o que há de ser? Muito obrigada, Mari. Por todas as inspirações de vida sempre. um beijo carinhoso e sincero. muita luz pra vcs.

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