Oi, Boston!

“Coisa que gosto é poder partir, sem ter planos…”

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E então parti.  Combinei com o administrador do hostel, uma van para me levar até o aeroporto. E lá fui eu, toda prosa. No meio do caminho, ainda observando a cidade junto aos meus pensamentos, tive uma sensação de amputação. Estava faltando algo. De fato estava, meu amor, minha família, meus filhos. Mas confundi os sentimentos. O que faltava era nada mais, nada menos do que MINHA CÂMERA! Aqueles segundos do “estalo” que eu havia esquecido minha amiga-parceira-terapeuta-confidente em cima do balcão, pareciam uma eternidade! Pedi desesperadamente gentilmente que o motorista retornasse. E vcs sabem, na América time is money, então prometi pagar a mais pela corrida. Depois de bufar, meio contrariado, ele voltou. Mas antes disse que precisava pegar outro passageiro, ali próximo. Momentos de tensão. Outra eternidade. O tal passageiro era um brasileiro, de SP, tb fotógrafo! Enquanto não chegávamos, milhares de pensamentos passavam em minha mente. Eu já havia dado minha câmera por perdida. Já bolava estratégias de como comprar outra. Pensava na minha agenda lotada até início de agosto. Pensava no fim trágico de minha carreira, afinal, o que é uma fotógrafa sem sua câmera!? Um nada.

Entrei correndo e lá estava ela, no mesmo lugar onde eu havia deixado. Intocável, mesmo naquele entra e sai de um hostel barato de centro da cidade. A sensação de alívio é indescritível! E a alegria em saber que há um mundo bacana por aí, pois venhamos e convenhamos: e se fosse no Brasil!? Um objeto com valor na base de R$7.500,00, dando sopa!? Me dá calafrios só de imaginar. E que sirva de lição. Lugar de câmera fotográfica, é no pescoço! E ‘simbora seguir viagem! E de papo furado com o fotógrafo paulista, é claro! Nem lembro o nome dele para ser bem sincera. Mas a conversa foi basicamente sobre fotografia de evento, flash, ISO, edição. E adeus.

No aeroporto, eu para variar perdida como barata tonta, pedia informação com meu inglês de 7ª série. Não, 8ª série. Não, péra… Uma coisa interessante que pude observar nessas minhas andanças é que, onde quer que eu esteja, sempre tem um alguém que fala alguma palavra de português! Mais ou menos assim: “Where do you from?” “Brasil!” “Own, Brazil! Obrigado! Pão de queijo! Caipirinha!” Sério. Mas impossível não rir! Já embarcada, rumo a Boston, eu bem que tentava colocar minhas leituras em dia, e por isso levei meu ‘kindle’ a tira-colo. Há 1 ano tento terminar o livro “Longe da Árvore” de Solomon, mas ainda não é o momento. Me perco em meio aos pensamentos, lembranças e sacodes que ele me dá perante a vida. E neste momento, minha própria companhia já era o próprio sacode de realidade que eu precisava. Fica pra próxima.

Amanheceu! Oi Boston! Que dia lindo! E eu, tolinha!- preparada para o frio que me disseram que fazia lá. Mais uma vez aquela sensação de “para onde vou? esquerda ou direita?”,  somente com um endereço em mãos. Ônibus!? Trem!? Metrô!? Que fique claro, isso não é uma reclamação, mas uma observação. Gosto demais disso, foi o que busquei pra mim. Não saber o que vai acontecer nas próximas horas, me fascina! Fui de táxi. E até o destino final, casa de uma amiga recém chegada a Boston há poucos dias, fui absorvendo tudo a minha volta como de costume. Me senti um pouco em São Paulo. É só o que posso dizer sobre aquele momento.

A Perla tem um filho com paralisia cerebral, assim como meu Leo. Ambos da mesma idade. Após ser recebida com bom papo e um café fresco, pude pegar Gabriel no colo e assim, me sentir tb mais perto de meu filho. A saudade doía ainda mais! Estes dois dias e meio em Boston, me ensinaram muita coisa, mas principalmente me mostrou coisas que antes eu não conseguia enxergar. E é sobre isso que quero falar com todo carinho e respeito do mundo.

Há 8 anos escuto absurdos como “vc é especial”, “escolhida por deus”, “seu filho é uma dádiva”, “como vc é forte!”, “que guerreira vc é!”, “fortaleza de mãe!”. Agradeço profundamente a (boa) intenção, mas isso não é nada legal de escutar. Sempre bati na tecla de que se existe mesmo um deus,  e se sou tão especial assim, pq ele não me abençoaria com uma criança saudável?! A carga que se carrega diante dessas palavras, é muito grande. É como se fôssemos fortes o suficiente para aguentar sofrimentos que uma outra mãe qualquer não aguentaria e isso nos endeusa, o que é irreal. É como se não fosse permitido chorar, sofrer, se lamentar. Pq, né!?- somos as escolhidas/especiais/privilegiadas. Mas a verdade é que apenas não temos outra opção a não ser, sermos fortes. Pq filho é filho, com ou sem paralisia cerebral. Estas palavras, sempre vieram de pessoas “normais”, com filhos “típicos”, daqueles que se encaixam nos padrões que a sociedade exige. E ter passado este tempo com uma família parecida com a minha, me fez enxergar muita coisa de uma forma bem diferente. Consegui ver, o que as outras pessoas vêem em mim. Como elas me enxergam. Afinal, ali eu não era a mãe do Leo. Era somente a Mari.

Era inevitável olhar aquela mulher, cuidando bravamente de seu filho, sem pensar: “U-A-U!” Quanta admiração! Não somente pelo cuidado amoroso e tempo dedicado ao pequeno Biel. Mas pela facilidade e leveza com que ela parecia encarar tudo. Naturalmente. Como é de fato. Ou como deveria ser. Ao observar e acompanhar sua rotina, desde cuidados básicos de higiene, até a luta que é sair de casa com uma criança com severo comprometimento motor, passei a entender o que as outras pessoas sentiam em relação a mim e meu filho. E então, aquelas palavras que sempre ouvi, passaram a soar de forma diferente em meu coração. Não que eu agora concorde, não é isso. Mas agora eu compreendo. Pq de certa forma, eu me vi naquela mãe. Eu vi meu filho naquela criança. De fora. Sem estar vivendo. E assim, me senti mais forte, mais capaz, com vontade de bater no peito e dizer: “Sim, nós somos incríveis!” Não é pra qualquer um. E por isso, sempre serei grata a Perla e sua família. Pela amizade e acolhimento. E mesmo sem querer, apenas por ser, me fazer perceber o que eu não conseguia antes.

Boston é uma cidade realmente incrível! Acho que é o lugar mais civilizado que já conheci na vida, em relação a respeito, educação, cidadania. Referência da área da saúde, capital financeira dos EUA, onde estão as melhores faculdades do país (vida Harvard e Cambridge), e as maiores descobertas científicas da neurologia e medicina.  Talvez por ser uma das cidades mais antigas dos EUA, sua arquitetura tem um ar colonial,  que chama muito a atenção por contrastar com arranhas-céu e charmosos canais. Boston respira história! Quase me deu vontade de viver lá pra sempre, se não fosse os 8 meses de inverno que os moradores são obrigados a enfrentar. Fizemos diversos passeios, e com o Biel junto a nós, posso dizer que o quesito acessibilidade é um exemplo a ser seguido! É uma cidade muito HUMANA no sentido literal da palavra. Tudo parece feito bem pensado para dar qualidade de vida e conforto aos cidadãos.

Apesar de ser um lugar caro para se viver, os programas para turistas cabem no bolso e a comida é deliciosa e com preço justo. No RJ por exemplo, comer um belo prato de frutos do mar a beira do oceano é um evento para poucos mortais. Em Boston, além do ótimo atendimento e qualidade, não paga-se mais do que $20 dólares em uma refeição completa para uma pessoa. Tivemos tb a oportunidade de fazer um passeio de barco, conhecendo a cidade do alto mar. E não pude deixar de reparar, em um funcionário do programa, deficiente físico! Aliás, por todas as partes os deficientes estão integrados no mercado de trabalho. Tb vi grupo de deficientes intelectuais, todos devidamente identificados com crachás e sorriso no rosto, se divertindo como todos nós. Logo, concluo que a inclusão SOCIAL existe e é possível!

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Selfie de celular com a família amiga!

O bacana, é que eu e a família estávamos conhecendo tudo juntos, pela primeira vez. Era novidade para todos! Passamos por evento de rua em homenagem a heróis de guerra, entramos em um navio-museu, fomos ao “Quincy Market”, parada obrigatória para quem vai a Boston com uma diversidade cultural impressionante e festival gastronômico incrível! Há diversos parques, museus, shows ao ar livre, sem custos. Além de muitos artistas de rua, mega talentosos, como esta menina que não tive como não parar para ouvi-la.

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No meu Instagram: @marihartfotografia tem vídeo dela cantando lindamente!

Um momento top para mim, foi fazer uma refeição tipicamente mexicana comprada em uma espécie de ‘food truck’, sentada na grama perto do “Boston Common” (digamos que seja o “Central Park, de Boston!), assistindo a um show de talentos com muita música, dança, e diversas famílias a minha volta. Que energia boa! Que paz! Que sol junto com ar fresco, quase gelado! Não é preciso muito para se divertir. Mas fomos mais além! Andamos naqueles ônibus que rodam toda a cidade onde o divertido motorista vai narrando curiosidades e histórias sobre os lugares onde passamos. Ahhh, o vai e vem das pessoas! Ahhh, a vida passando sob meus olhos!

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Ache a fotógrafa! =)

Outra curiosidade de Boston, é o tamanho da comunidade brasileira que vive lá. Fui ao show beneficente em prol dos custos do tratamento do Biel nos EUA, com diversos cantores do Brasil. Para quem ainda não conhece essa história de luta e perseverança, acesse: S.O.S Gabriel Machado e vc tb pode ajudar o menino Gabriel concorrendo a um iphone6, clicando aqui:  Rifa Digital.

Além de tudo,  ainda fui a uma festa junina tipicamente brasileira organizada por eles próprios! Confesso não ser fã desse tipo de festa, mas ter conhecido histórias de brasileiros que vivem há tempo tempo lá, foi gratificante! Conheci muita gente bacana e do bem,  em sua maioria mineiros, gente que expressa grande parte dessa comunidade que tanto se ajuda e é unida.

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De todos os passeios, uma cena me chamou bastante atenção, e por isso dou destaque especial. Em um parque público, onde há um tanque de areia em que a irmãzinha do Biel, Maria brincava com os brinquedos locais (sim, os brinquedos tais como: baldes, carrinhos e pás são do parque, e ficam livres e soltos!), um menino de aproximadamente uns 9 anos se aproximou, olhou para o Biel e perguntou: “O que ele tem!? Ele está doente!?” Depois de explicado, ele continuou com suas curiosas perguntas, parecia bastante interessado. Tentávamos explicar da maneira mais simples possível e o menino atento a cada palavra. Ao final, precisávamos nos despedir, e ele perguntou se o Biel poderia voltar para brincar lá com ele. Ao sinal positivo, ele esticou a mão para dar um “Hi Five” e Biel mesmo com toda sua limitação causada pela paralisia cerebral, levantou sua mão junto! Me arrepiei da cabeça aos pés! Pela superação do pequeno guerreiro, e pelo interesse e inocência do menino. Lágrimas foram inevitáveis! E por falar em lágrimas, quase desidratei ao ver pela primeira vez um parquinho totalmente adaptado para crianças cadeirantes! Passei uns 30 minutos chorando compulsivamente, por ver concretizado diante de meus olhos, algo que parecia impossível!

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Não foi muito tempo, mas foi bastante intenso e o suficiente para deixar em mim memórias maravilhosas, ótimas impressões em quesitos que tanto aprecio e dou valor na vida. Como dizia minha falecida avó “menina, vc parece ter bicho carpinteiro! não para quieta!”, e um dia acordei com vontade de aproveitar o restante de minhas férias em outro lugar. Próximo destino: Miami. Porém, espero voltar em breve à Boston, e desta vez levando meus filhos para que possam sentir na pele tudo o que vivi. Noções primordiais de respeito às diferenças e humanidade.  Uma palavra para definir esta cidade linda e acolhedora: Autêntica.

Vejam vocês com seus próprios olhos, através de algumas imagens que capturei nas minhas andanças!

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Everett: a periferia de Boston
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Sinta o ‘nível’ da periferia.

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Da série: ache a fotógrafa!
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O charme nos detalhes!

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Carérrimo um apartamento na cidade. Mais do que vc está pensando.

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Crianças vendendo limonada na rua!

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Foto do IG @marihartfotografia
Foto do IG @marihartfotografia

3 thoughts on “Oi, Boston!

    1. Se não fosse um dos lugares mais caros no quesito moradia, certamente seria nossa primeira opção para viver, pois a área da saúde é a melhor do país! Mas o preço do aluguel de uma casa na Florida, não paga nem o aluguel de um quarto em Boston. Uma pena!

  1. dayane

    mari sou super fa sua, te sigo ja faz muito tempo e acompanho sua luta, fico muito feliz por vc estar buscando novos rumos para uma melhor qualidade de vida para sua familia.
    parabens, te admito muito

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